terça-feira, 19 de abril de 2016

PÉS, PESCOÇOS E COSTELAS


Saborear pés, pescoços e costelas de frango caipira, com as mãos, sem pressa, jogando conversa fora, é tudo de bom!

Coisas simples da vida... Mas restritas a uma parcela das pessoas que viveram ou vivem no interior, na zona rural. Coisas simples como comer frango (ou galinha caipira, ou matuta), é bem diferente do frango de granja, consumido nas áreas urbanas.

Nas granjas as aves são industrializadas, alimentadas com ração balanceada, muitas delas carregadas de hormônios, especialmente para o seu rápido crescimento. Já na zona rural elas são alimentadas naturalmente, sendo o milho a base. Os gostos, os sabores, as técnicas de cozimento são completamente diferentes... E o tempero caseiro?!.

Nas cidades consomem-se as partes nobres do franco: o peito, as coxas e as sobre-coxas. Desprezam-se os pés, os pescoços, as costelas, as s e os miúdos. Estes algumas vezes utilizados para as farofas.

Porém, um dos grandes segredos das coisas simples e boas da vida no campo é mesmo o “saborear” o frango caipira com as mãos, desprezando o modus faciendi urbanus... Sim com as mãos, sem pressa de terminar, em família, jogando conversa fora, contando e ouvindo piadas, ainda que repetidas. Claro, com arroz, feijão, macarrão, farofa, e outras cozitas más.

O importante é o momento, a convivência, o relacionamento. Que tenha cerveja, caipirinha, ou suco natural de laranja ou limão, ou de melancia ou abacaxi. Há um “quê” de místico, de romântico, de algo que vai se perder no tempo, pois são momentos que certamente não mais se repetirão.

No esgarçar dos dedos dos pés, com aquele “courinho”, no debulhar das pequenas vértebras do pescoço, depois de extrair-lhe o sangue acumulado, no destrinchamento de cada uma das costelas e aproveitar, entre uma gargalhada e outra, seus fiapos de carne, o lamber os beiços (ou lábios) e os dedos... A vida flui, os sentimentos afloram, as amizades e os amores se consolidam....

Pés, pescoços e costelas de frango caipira convidam, também à reflexão. O ato de comê-los livre das peias das etiquetas abre as portas do pensamento para as questões como a saudade, a família, os projetos de vida, o silêncio, a paz, a introspecção. Daí pode surgir uma nova pessoa; ou uma pessoa nova, reavivada pelo reencontro, pelo perdão, pelo acolhimento.

Momentos únicos, porém absolutamente necessários para o desenvolvimento da vida... Há quem não foste de frango caipira. Respeite-se... Há quem tenha medo do reencontro consigo mesmo, que só o ‘saboreio” sossegado dos pés, pescoços e costelas, proporciona.

Tudo de na vida acontece a partir de atitudes e atos de coragem. Sentar-se à mesa, deixar de lado a timidez, as boas maneiras, as etiquetas, e meter a mão no frango e ter dedos e lábios e parte do rosto e o queixo engordurados é uma superação. Tirar proveito desses momentos mágicos é, também, uma grande vitória.

Feliz aquele que não rompeu com suas origens. Feliz daquele que ainda pode viajar no tempo segurando nas mãos aqueles ossinhos saborosos e muito bem temperados com pitadas eloquentes de amor.

Coisas simples da vida...


Imagem: Google


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