quarta-feira, 23 de abril de 2014

O VELHO PATRIARCA


Um sorriso na multidão trouxe-me a sua imagem. Não pude conter as lágrimas.

Sentado no seu tradicional banco sobre a taipa do fogão onde a vovó preparava o tão esperado jantar, à sua moda.

A saudade me aperta o peito... Agora o tenho claro em minha mente: sua figura imponente, botas cano longo, mãos cruzadas para trás, assobiando baixinho algo incompreensível... Era eu muito jovem...

Figura do velho patriarca, inspirando respeito, temor, mas juntando, unindo à sua volta filhos, netos, bisnetos, camaradas, transmitindo-lhes segurança.

Sim, o velho patriarca! Influenciava na política e ninguém ousava fumar na sua presença! Hoje, aquela estrada que você percorreu durante tanto tempo tem o seu nome, sabia?

Figura imponente, alegre. Lembro-me do xaxado que ensaiava ao brincar com os netinhos... E a caipirinha, envelhecida, muito doce, para as ocasiões especiais, ou regar o frango à caipira.

Nós quase não falávamos. Minha voz, baixa e tímida, não conseguia vencer a sua surdez progressiva. momento em que ficava encabulado e triste. Eu também.

Mas hoje, quando há muito tempo deixou este mundo, acredito que podemos conversar mais tranqüilamente e mais à vontade. De onde está me ouve com os ouvidos da alma e eu falo com a voz do coração. Mas, quase não há o que falar. Como vê continuo tímido e falando baixo. Entretanto, quero que saiba o quanto está me fazendo falta a sua presença. Há tristeza, vazio, insegurança. Parece que não tenho a quem recorrer nas minhas limitações e nos momentos de solidão, entende?

Sinceramente, como gostaria de ter vivido com você mais tempo, ter-lhe falado mais das minhas preocupações, das minhas fraquezas, dos meus sonhos, do meu amor, dos meus projetos e ouvido de você também suas histórias, seus dramas, suas fraquezas, suas incertezas, decepções, labutas e sucessos. Hoje sou muito feliz. Amo e sou amado. Encontrei minha felicidade bem longe de sua casa, mas repito, sou muito feliz mesmo!

Sabe, um dos meus melhores momentos foi quando ouvi suas histórias do tempo em que era tropeiro... Lembra-se? Falava sofregamente, com os olhos perdidos em algum ponto do horizonte... Ou do passado.

Sei que aí onde está é infinitamente melhor que aqui. Daí de cima o panorama é mais completo, pois tem a dimensão do mundo e da alma das pessoas. Você está bem, merece este descanso e quero que o desfrute em paz. Não se preocupe porque o mundo está um tanto conturbado: poluição, violência, maldades... Mas fique tranqüilo, você fez a sua parte, deixando o seu exemplo de vida.

Não tem sido fácil, sabe, preencher o vazio...

Mas, fazer o quê? Por aqui, vou viver minha felicidade com o melhor presente eu Deus me deu: o meu amor... E quem sabe um dia reencontrá-lo e, então, reeditar os belos momentos de xaxado, as boas gargalhadas, as histórias tropeiras, com a doce, velha, mas deliciosa caipirinha.

Imagem: Google

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