segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

EL TORERO: AS TRES FACES DE UMA TRAGÉDIA

(Este é um texto de ficção. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. Por sermos contra as "Corridas de Touros", não incluimos ilustração a respeito)


A cidade parou, o melhor toureiro da região estará no inicio da tarde na Plaza de toro, a maior do país. A cidade inteira, gente de cidades próximas e de cidades distantes, O comércio fechará as portas e haverá reforço em todas as modalidades do transporte coletivo.

Ele, o toureiro, não era apenas um bom no ofício de enfrentar e matar os animais bravios, rústicos, violentos. Era carismático, bonito, rico e presentes nas altas rodas, mídia, e capas de revista. Será o maior espetáculo da tauromaquia da região. Inesquecível. Aliás, o show já começou, pois desde o inicio da manhã rolava no Plaza, eventos, pequenas corridas para animar o público até a chegada da principal atração. Alguns animais já teriam sido mortos.

De repente o frisson não era mais no centro da arena, mas fora. Ele estava chegando... E chegou. Empertigado com um Deus grego, caminhou em direção dos camarins... Precisava descansar um pouco, concentrar-se para o grande espetáculo. Antes, porém, deu uma expiada no público presente. Um largo sorriso iluminou o seu rosto, acenou a cabeça fazendo e levantou o polegar direito, mostrando que tudo aquilo era positivo... Recolheu-se para os minutos de silêncio, que demorou um pouco mais que o normal.

Talvez pensasse na responsabilidade de agradar aquele grande público, com uma exibição especialíssima...  Talvez tivesse pressentido que algo pior pudesse acontecer... Tudo... Talvez...

De outro lado o touro: quatro anos e meio, bem criado, bem preparado para o combate. sangue ruim. Antes mesmo de ser solto na arena já bufava exalando raiva e vontade de ir à luta.

O público delirava,  “ola” acontecia, o estádio tremia... Parecia que uma multidão inteira projetava no “torero”, toda sua animalidade, todo seu primitivismo enraizado, mas abafado pelas convenções sociais. Por outro lado, o próprio oficio do “torero”, ao desafiar, enfrentar e matar o touro, animal bravio, encarna a masculinidade, a força masculina, vitalidade, a fonte que gera outras vidas. Vencer o touro é mais que necessário para a reafirmação do ser humano como senhor da natureza.

Oooooooolé! Ooooooooolé! Oooooooooolé! É a festa do público. Ao soar das trombetas, o silêncio! O touro está na arena... Agitado, bufando, dando coices duplos e arranhando o chão com as patas dianteiras. Entrando os auxiliares para irritá-lo ainda mais, perfurando seu couro hastes pontiagudas e bandeirolas coloridas. O sangue começa e escorrer pelo corpo do touro. Ele se agita ainda mais. O público está próximo ao delírio.

Depois de alguns minutos de palhaçadas e cutucadas do touro, do outro lado da arena surge o grande “torero”... Nas arquibancadas reinava uma grande alegria, festa total. E ele começa a exibição, sempre observado de perto pelos auxiliares...

A provocação. O “torero” sabe o que faz e chama o touro. O touro é diblado. O público delira. O touro recebe mais algumas picadas. Mais e mais provações e avanços e o “torero”, senhor de si e da situação, vai levando o animal ao cansaço. A postura elegante do “torero” é um espetáculo a parte.

Novos ferimentos no touro. Ele sangra, bufa e luta e o torero se esquiva. E o espetáculo continua.

Tércio da morte. O torero muda de capa. Com ela a espada fatal. O touro está exausto, babando (de raiva?), seu corpo já está tomado por seu próprio sangue. Impassível o torero que fazer o melhor: esperar o animal manter juntas as patas dianteiras e baixar a cabeça, expondo seu dorso. O torero vai se aproximar um pouco e lançar sobre ele e enfiar-lhe a espada no dorso cortando a sua jugular. A morte será instantânea e a gloria total.

Um segundo de distração. Antes de atacar o animal, o torero vira-se para o público, agora em silêncio sepulcral. Nesse lapso de tempo quem avançou o touro atingindo seu inimigo na virilha e fazendo-o voar. Na queda, antes dos auxiliares chegar, nova chifrada no peito. O “torero” está morto. Ato contínuo o touro também é morto pelos auxiliares do espetáculo. Sua carne será repartida entre os açougueiros da cidade.

Na arena sangue humano e bovino se misturam... Nas arquibancadas estupefação, lágrimas, e risos inapropriados. Decepção.

A vida contada em tragédias... Esta, uma tragédia com três faces: a humana, com a morte do “torero”, que acima de tudo encarnava a arrogância; a natural, a morte do toro, que sem saber o porquê foi torturado até o fim; a manutenção da barbárie, que ainda faz muita gente feliz.



Imagem: Google

Nenhum comentário:

Postar um comentário