(Este é um texto de ficção. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. Por sermos contra as "Corridas de Touros", não incluimos ilustração a respeito)
A cidade parou, o
melhor toureiro da região estará no inicio da tarde na Plaza de toro, a maior
do país. A cidade inteira, gente de cidades próximas e de cidades distantes, O comércio
fechará as portas e haverá reforço em todas as modalidades do transporte
coletivo.
Ele, o toureiro, não
era apenas um bom no ofício de enfrentar e matar os animais bravios, rústicos,
violentos. Era carismático, bonito, rico e presentes nas altas rodas, mídia, e
capas de revista. Será o maior espetáculo da tauromaquia da região. Inesquecível.
Aliás, o show já começou, pois desde o inicio da manhã rolava no Plaza,
eventos, pequenas corridas para animar o público até a chegada da principal
atração. Alguns animais já teriam sido mortos.
De repente o frisson
não era mais no centro da arena, mas fora. Ele estava chegando... E chegou.
Empertigado com um Deus grego, caminhou em direção dos camarins... Precisava
descansar um pouco, concentrar-se para o grande espetáculo. Antes, porém, deu
uma expiada no público presente. Um largo sorriso iluminou o seu rosto, acenou
a cabeça fazendo e levantou o polegar direito, mostrando que tudo aquilo era
positivo... Recolheu-se para os minutos de silêncio, que demorou um pouco mais
que o normal.
Talvez pensasse na
responsabilidade de agradar aquele grande público, com uma exibição
especialíssima... Talvez tivesse pressentido
que algo pior pudesse acontecer... Tudo... Talvez...
De outro lado o touro:
quatro anos e meio, bem criado, bem preparado para o combate. sangue ruim.
Antes mesmo de ser solto na arena já bufava exalando raiva e vontade de ir à
luta.
O público
delirava, “ola” acontecia, o estádio
tremia... Parecia que uma multidão inteira projetava no “torero”, toda sua
animalidade, todo seu primitivismo enraizado, mas abafado pelas convenções
sociais. Por outro lado, o próprio oficio do “torero”, ao desafiar, enfrentar e
matar o touro, animal bravio, encarna a masculinidade, a força masculina, vitalidade,
a fonte que gera outras vidas. Vencer o touro é mais que necessário para a
reafirmação do ser humano como senhor da natureza.
Oooooooolé!
Ooooooooolé! Oooooooooolé! É a festa do público. Ao soar das trombetas, o
silêncio! O touro está na arena... Agitado, bufando, dando coices duplos e
arranhando o chão com as patas dianteiras. Entrando os auxiliares para
irritá-lo ainda mais, perfurando seu couro hastes pontiagudas e bandeirolas
coloridas. O sangue começa e escorrer pelo corpo do touro. Ele se agita ainda
mais. O público está próximo ao delírio.
Depois de alguns
minutos de palhaçadas e cutucadas do touro, do outro lado da arena surge o
grande “torero”... Nas arquibancadas reinava uma grande alegria, festa total. E
ele começa a exibição, sempre observado de perto pelos auxiliares...
A provocação. O
“torero” sabe o que faz e chama o touro. O touro é diblado. O público delira. O
touro recebe mais algumas picadas. Mais e mais provações e avanços e o
“torero”, senhor de si e da situação, vai levando o animal ao cansaço. A
postura elegante do “torero” é um espetáculo a parte.
Novos ferimentos no
touro. Ele sangra, bufa e luta e o torero se esquiva. E o espetáculo continua.
Tércio da morte. O
torero muda de capa. Com ela a espada fatal. O touro está exausto, babando (de
raiva?), seu corpo já está tomado por seu próprio sangue. Impassível o torero
que fazer o melhor: esperar o animal manter juntas as patas dianteiras e baixar
a cabeça, expondo seu dorso. O torero vai se aproximar um pouco e lançar sobre
ele e enfiar-lhe a espada no dorso cortando a sua jugular. A morte será
instantânea e a gloria total.
Um segundo de
distração. Antes de atacar o animal, o torero vira-se para o público, agora em
silêncio sepulcral. Nesse lapso de tempo quem avançou o touro atingindo seu
inimigo na virilha e fazendo-o voar. Na queda, antes dos auxiliares chegar,
nova chifrada no peito. O “torero” está morto. Ato contínuo o touro também é
morto pelos auxiliares do espetáculo. Sua carne será repartida entre os
açougueiros da cidade.
Na arena sangue humano
e bovino se misturam... Nas arquibancadas estupefação, lágrimas, e risos
inapropriados. Decepção.
A vida contada em
tragédias... Esta, uma tragédia com três faces: a humana, com a morte do
“torero”, que acima de tudo encarnava a arrogância; a natural, a morte do toro,
que sem saber o porquê foi torturado até o fim; a manutenção da barbárie, que
ainda faz muita gente feliz.
Imagem: Google
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