terça-feira, 8 de outubro de 2013

NÃO SEI QUANTAS ALMAS TENHO

Não sei quanto almas tenho
Cada momento mudei
Continuamente me estranho
Nunca me vi nem acabei
De tanto ser, só tenho alma
Quem tem alma não tem calma
Quem vê é só o que vê
Quem sente não é o que é

Atento ao que sou e vejo
Torno-me eles e não eu,
Cada sonho ou desejo
É do que nas nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei o que senti.
Releio e digo: “Fui eu?“
Deus sabe por que o escreveu.

Fernando Pessoa


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