segunda-feira, 27 de abril de 2015

A FAMÍLIA, SEGUNDO O ESCRITOR FRANCISCO AZEVEDO

Excerto do seu livro  “O Arroz de Palma”:

A família é prato  difícil de preparar. São muitos ingredientes. Reunir todos é um problema... Não é para qualquer um. Os truques, os segredos, o imprevisível. Às vezes dá até vontade de desistir... Mas a vida... Sempre arruma um jeito de nos entusiasmar e abril o apetite. O tempo põe à mesa, determina o número de cadeiras e os lugares. Súbito, feito milagre, a família está servida. Fulana sai a mais inteligente de  tidas. Beçtrano veio no ponto, é o mais brincalhão e comunicativo, unanimidade. Sicreano, quem diria? Solou, endureceu, murchou antes do tempo. Este é o mais gordo, generoso, farto, abundante. Aquele, o que surpreendeu e foi morar longe. Ela, a mais apaixonada. A outra, a mais consistente... Já estão aí? Todos? Ótimo. Agora, ponha o avental, pegue a tábua, a faca mais afiada e tome alguns cuidados. Logo, logo, você também estará cheirando a alho e cebola. Não se envergonhe de chorar., Família é prato que emociona. E a gente chora mesmo. De alegria, de raiva ou de tristeza. Primeiro cuidado: temperos exóticos alteram o sabor do parentesco. Mas, se misturados com delicadeza, estas especiarias, que quase sempre vêm da África e do Oriente e nos parecem estranhas ao paladar tornam a família muito mais colorida, interessante e saborosa. Atenção também com os pesos e as medidas. Uma pitada a mais disso ou daquilo e pronto: é um verdadeiro desastre. Família e prato extremamente sensível. /tudo tem de ser muito bem pesado, muito bem medido. Outra coisa: é preciso ter boa mão, ser profissional. Principalmente na hora que se decide meter a colher. 

Saber meter a colher é verdadeira arte.

Às vezes o ídolo da família, o bonzinho, o bola cheia que sempre ajudou azedou a comida só porque meteu a colher. O pior é que ainda tem gente que acredita na receita da família perfeita. Bobagem. tudo ilusão. Família é afetividade, é à Moda da Casa. E cada casa gosta de preparar a família a seu jeito. Há famílias doces. Outras, meio amargas. Outras apimentadíssimas. Há também as que não tem gosto de nada, seria assim um tipo de Família /dieta, que você suporta só para manter a linha. Seja como for, família é um prato que deve ser servido sempre quente, quentíssimo. Uma família fria é insuportável, impossível de se engolir.

Enfim, receita de família não se copia, se inventa. A gente vai aprendendo aos poucos, improvisando e transmitindo o que sabe no dia-a-dia. A gente cata um registro ali, de alguém que sabe e conta, outro aqui, que ficou no pedaço de papel. Muita coisa se perde na lembrança. O que este veterano cozinheiro pode dizer é que, por mais sem praça, por pior que seja o paladar, família é prato que você tem que experiment4ar e comer. Se puder saborear, saboreie. Não ligue para etiquetas. Passe o pão naquele molhinho que ficou na porcelana, na louça, no alumínio ou no barro.

Aproveite ao máximo. Família é prato que, quando se acaba nunca mais se repete”.

O autor
“Dramaturgo, guionista cinematográfico, poeta e ex-diplomata, Francisco José Alonso Vellozo Azevedo nasceu no Rio de Janeiro em 1951. Começou a dedicar-se à literatura em 1967, quando venceu o concurso promovido pela Organização dos estados Americanos (OEA).

Além de livros e peças de teatro, Francisco Azevedo já escreveu para mais de 250 produções, incluindo roteiros de longa e curta-metragem, documentários premiados e anúncios para TV”. (Informe da Editora Porto)  


Texto: Whatsapp

Imagem: Google


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